27.3.11

Clarissa

Existe uma história de que aos 27 anos de idade passamos por uma crise existencial.


Numa pesquisa feita na internet muitos artistas e famosos morreram aos 27. As causas são variáveis, mas a mais comum é a overdose. Talvez fazendo uma pesquisa para a idade 50 também ache múltiplas mortes de causas variáveis. Mas, a minha crise é dos 27 e é dela que vim falar.


É na crise dos vinte e sete que a gente para pra pensar em aspectos mais sórdidos e desagradáveis: "que diferença eu faço pro mundo? É na hora de mudar de emprego?"


Eu tenho tentado me impor como uma pessoa viva, que se movimenta com ritmo e luminosidade, assim como Clarissa, de Veríssimo - que escreveu o romance com 27 anos-.


A minha vida não é uma grande descoberta, não tenho 14 anos como Clarissa. Sou adulta, séria, exigente. Clarissa representa aquele mundo que já foi meu, ao qual desejo voltar, repetindo-o mais uma vez.


"Clarissa vai andando aérea, sem esforço, leve, como se tivesse asas. As abas do chapéu bamboleiam, moles, põem-lhe no rosto iluminado uma sombra mansa que lhe vai até o meio do nariz, dividindo-lhe o rosto em duas zonas distintas. Dentro da zona sombria os olhos fulgem. Dentro da zona luminosa os lábios ainda ficam mais encarnados. Clarissa não responde, não ouve, não atende. Anda longe, numa viagem maravilhosa.


Não adianta eu querer me impor à personagem, sou gente, de carne e osso.

Misha

26.3.11

Quando a memória dói



Faz tempo que não voltava ao beco. Recordar é viver. Quem vai me dizer que não?

Qual é o mistério dos átomos do pensamento e da lembrança, se enquanto eu lembro eu posso ver daqui de perto o Glíter nos olhos de pops, a doçura nos pés de Misha e o fogo dos cabelos de Polly . Se essa lembrança me ocorre sem mesmo que eu me force: o beco que outrora era um espaço real, agora é um espaço mítico, cheio de reminiscências com cheiro e cor. Amarelo mostarda, palha, e principalmente azul. Cheiro de brisa fresca e cor de entardecer. Amor no peito, gratuito e puro. água de chuva que goteja no meu antebraço, sereno caindo suave à noitinha, orvalho molhando as madrugadas, madeiras de janelas, meia luz da noite, cigarros de palha, pão de alho que era somente aquele, cervejas que eram somente aquelas e assuntos que eram aqueles. Quais eram? Eram todos! posso sorrir ao lembrar sem mesmo saber do real conteúdo. Posso sorrir apenas por sentir a carícia do tempo...

Sim. O beco é eterno. Tão eterno quanto o sertão de Guimarães que vive ali, passou e ainda é o mesmo: dentro da gente. de uma eternidade estranha, metonímica como a dor que desatinava sem doer de camões. É deste tipo de dor rara e suave a que estou me referindo. Dor de sentir aquilo que aperta no peito e que faz o relógio parar- dor da solidão de não ter por perto, de não poder voltar. Mas não essa dor tão nefasta, meus caros, afinal, a lembrança vive ali, irretocável e intacta e enquanto eu fecho os olhos, eu também posso ver...


E além disso tudo, foi um tempo de transição para mim. Mas aí são mangas para outros vestidos. rs

Cada uma seguiu o seu caminho. Quis evitar de pensar nisso enmquanto escrevia, mas preciso repetir isso e entender aquilo, que não é porque o rio fez a curva por detrás da colina que ele não vai ser mar. né?

E por falar em memória, as fotos do nosso último encontro se apagaram misteriosamente. O tempo é ou não é irônico?

Mas eu vim aqui para falar de amor... Amor por um tempo, por um beco e por 3 garotas. Aqui me aquieto e deixo que camões que entende de dor que não dói, fale por mim:


Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento cono ideia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma.




Dedicado a 4 garotas (incluindo a mim mesma) que ainda existem num beco eterno.



(Nica )