17.12.08

Apenas Um Conto de Feliz Natal


O nome dela era Rebeca mas todos a conheciam como baby satanás. Tinha o rostinho redondo e um sorriso infantil que enganava a todos que a questionavam aquelas singularidades rotineiras: como vai a escola, meu bem? Ela ria, como uma bruxa ancestral e parecia entender todos os mistérios ocultos do universo. Vivia sentada nos cantos, debochando internamente de todas as coisas com um olharzinho irrequieto e sarcástico. Parecia uma vilã,sempre na cena final do crime, todo mundo a cercando e a condenando. Apontavam-lhe os dedos e faziam acusações pavorosas, e ela sabia que era só uma tentativa de corromper o quartzo azul escuro do seu espírito, sua liberdade excessiva. Ela entendia que tudo era desejo secreto e desesperado dos outros que não conseguem ser anômalos. Ela não! Tinha decidido por si só a ser uma aberração, a mais insana de todas as garotas.
Boa tarde, Rebeca! Ela parecia ter estudado à fundo em seus devaneios sobre a hipocrisia das pessoas. e ninguém mais sabia se ela era menino ou menina se tinha amigos, namorado, ideais, se mentia ou se dizia a verdade porque pra ela nada disso importava. Quando a penumbra dava o ar da graça, só se ouvia os passos na escada e ela saia noite à fora, desaparecia qual fumaça na escuridão.Todos se punham inertes, pais, tios, conhecidos, profissionais - todos eram impotentes diante do pequeno anjo caído, cravando as unhas negras em cima da sua própria desgraça. Todos discutiam, tentando achar soluções e secretamente, gozavam e a admiravam. Os velhos invejavam a sua juventude e os fracos admiravam a sua coragem, mas andavam por aí metendo os bedelhos com suas línguas ferinas em buracos de cupins. Os castos e beatos proclamavam: essa menina é o demônio! e ela gostava e sorria. Porque na verdade Rebeca sempre tinha achado o mal mais interessante, verdadeiro e muito mais humano poder assumir a sua imundice em vez de viver por aí, pintada com lixo escatológico em forma de anjo de gesso,sorrindo e se quebrando o tempo inteiro. Rebeca entendia sobre a passagem do tempo e o sentia escorrendo, gota a gota, como uma hemorragia inevitável de um corpo abandonado em um canto qualquer. E era assim que ela se sentia, abandonada pelo mundo e por deus em um ano de dois mil e tantos e toda aquela merda de tecnologia, ciência, Vênus, Júpiter, e nada nem ninguém conseguia diminuir um centímetro da profundidade da sua dor. Poucos anos ela tinha e pra ser sincera, ela tinha quase acabado de nascer e estava imunda, triste, e cheia de cicatrizes. Andava pelos becos do mundo com seus sapatos batizados pela lama da estrada, suas moedas de zinco frio, quase cortante, inúteis e mendigados trocados que produziam sinfonias estridentes no abismo do seu espírito sombrio. Não era difícil notar que dentro daquela alma continha o livro de um passado cheio de perguntas e poucas respostas. E o amor, Rebeca? Os espectadores perguntavam amedrontados, e ela respondia: Oh o amor? O amor é uma mentira, como tanta coisa nesse mundo. O destino estava escrito no presépio, a cruz esperava o deus menino antes mesmo que ele nascesse.

Feliz Natal Rebeca ! Natal é o cacete! Invenção da sociedade capitalista e ela sabia. O mundo ia continuar o mesmo, ela ouvia os cortes e os gritos de dor do mundo inteiro. Rebeca tinha o cabelo azul, fumava e nunca conseguia relaxar, parecia uma bruxa antiga, a mestra de todas elas. E foi assim, ela tinha nascido de um delírio e sabia que de um delírio ia sucumbir. Tomou três tiros secretos no jardim : CA-LA-TE , fedia a pólvora, ferrugem e inocência podre aquela hora de sua morte.O cabelo azulado,os olhos fitando o nada, as mãos tentando se apoiar trêmulas a alguma ponta imaculada do passado, da infância que acabava de se perder. Era nova e infeliz aquela sensação de ter se assumido fraca, humana, sem noite de natal que a reificasse. No momento em que rebeca fechava os olhos e a sua existência sumia, ouviam-se os sinos natalícios e o sangue azul denso se esvaia, por todos os lados “Já nasceu o deus menino para o nosso bem” E a heroína, levou sobre si a culpa em vez do castigo, desapareceu, sem deixar rastros.Agora Rebeca é um silêncio que pulsa, sufocado no íntimo, estranho...

Muito bem, meus caros, a rebelde rebeca se foi e agora? O mundo continua se recombinando com as mesmas tralhas de misérias e mistérios. Dizem que no natal se sente com maior intensidade a fragrância do amor apaziguando os corações, o bem vence o mal e o mundo permanece igual. Pobrezinhos de nós que nascemos em belém e continuamos eternamente deitados em nossas manjedouras. E o que Rebeca se perguntava ninguém soube responder e demonstrar na prática vil do cotidiano, que nada tem a ver com as festas e seus mitos. Rebeca só queria entender as coisas que realmente importam:

O que é o bem, o que é o mal?

O amor muda mesmo todas as coisas?

Onde anda Deus?


Ninguém sabe... Feliz natal!


(A todos que ainda procuram respostas em vez de velhos caminhos)



(by nikss)

3 comentários:

Jay disse...

e os que não procuram nada? ou que não viram nada ainda? o que resta?

Nika, do cabelo azul: mulheres bruxas não gostam do Natal.

mas que o seu seja lindo, pelo menos em sentimentos!

(L)

Anônimo disse...

Janinha, sabe que sempre achei uma honra esse negócio de ser bruxa?
Não é atoa que a Lispector era uma delas!
E olha, meu bem, quem não procura nada... apenas acha!

um xêro e que esse natal seja um tesão pra todas nós! rs

Anônimo disse...

baby satanás é ótimo!

Natal é uma mentira.

Polly