2.12.08

Como surgiu a paixão




No início, quando a terra ainda era habitada por iaras, curumins, cocos mágicos e feitiços que imploravam para desabrolharem, andava por aí uma indiazinha chamada Taci. Ninguém sabe ao certo como ela aparecera ao mundo, se ela era a filha feia e mais moça do Vento ou se ela simplesmente tinha brotado da lama, gestada dentro de algum lodo purulento e permanecido por aí, a vagar pelos prados escuros contemplando a valsa interminável do Sol pela terra.Os Maués contam que não havia animais nessa época, apenas insetos e grossas baratas que serviam de alimento para os seres. Os seres por sua vez, rastejavam e quando andavam, possuíam os cotovelos invertidos e por isso jamais podiam se abraçar. Apenas os curumins existiam do mesmo modo como são hoje, inocentes e cheios de perguntas, brincando pelos lençóis d’água da mãe terra, fazendo redemoinhos e fecundando tudo com o pólen das flores. O mundo tinha cheiro de fertilidade e no meio deste universo pulcro estava Taci, troncha, curvada, sozinha, acinzentada e pequena.
Tudo que se sabe é que Taci era medíocre e triste. Prosseguia vivendo como uma praga que subsistisse sem razão, sugando seiva de qualquer tronco sonolento, dormindo em qualquer gramínea muda, aguardando que morte saísse escura das profundezas do rio e a abraçasse, porque Taci simplesmente não fazia sentido e nem o queria; era como uma mosquinha pequena, minúscula e ninguém a notava. Jamais um curumim teria pousado os olhos sobre ela ou jamais teria ela recebido em seu olhinhos oblíquos um feixe de luz qualquer.
Diz a lenda que um dia Taci estava vagando, por acaso à beira de um rio quando viu, pela primeira vez o Majestoso sol. Ah aquela luz fumegante explodindo no céu, ardendo vivamente sobre todas as coisas era a tudo de mais lindo que Taci contemplara em toda a sua vida. Naquele dia Taci ficou olhando o sol até que seus raios se enchessem de uma luz vermelha e lilás e as nuvens se desfizessem uma a uma no baile do céu e o mundo, após aquele espetáculo magistral, voltasse a ser uma completa escuridão.
Assim, no outro dia Taci sabendo onde o sol se escondera, voltou à beira do rio para contemplá-lo e dar sentido à sua existência inacabada. De coração ardente e enamorado, começou a subir cada vez mais os picos e morros, com seu corpinho desmazelado e atrofiado ela sentia a única vontade no peito de contemplar mais de perto aquele astro que iluminara a sua vida. O Sol, sozinho que era, passou a notar aquela indiazinha solitária que o observava em todos os espetáculos, desde a hora impetuosa em que nascia até quando ia descansar.
Um dia, a morte saiu tenebrosa do fundo do rio para passear e arrebatar as criaturas desprovidas de sentido que vagavam pela terra. Naquele dia chovia e o sol se escondera. Taci tinha voltado a sua mediocridade e protegia-se numa caverna quando a morte a encontrou e a esmagou para sempre, arrastando a sua existência até um canto desconhecido. No outro dia, quando o sol tornou a aparecer, procurou por Taci e ficou tão triste que chorou uma chuva de raios quentes em cima do corpo imóvel da indiazinha morta. Depois, abraçou-a com seus braços em chamas e amou-a de tal forma que ela cresceu e encheu-se de luz. No entanto, o sol precisou deixar Taci em algum lugar do espaço para continuar a sua dança mestral por entre as nuvens, circulando estatelado e apaixonado ao redor da terra para ver a sua amada e presenteá-la com raios de luz. De tanto amor, o corpo acinzentado de Taci cresceu e tornou-se redondo, como um diamante raro e magnífico preso no céu.
Os seres ao contemplarem tanto amor entre o sol louco e apaixonado e o boião prateado que aparecia iluminando a escuridão, começaram a sentir vontade de experimentar do amor mas não podiam se abraçar, posto que seus cotovelos eram invertidos.
E toda noite quando o sol já tinha terminado a sua dança ele se punha a chorar de saudade de sua amada, fazendo com que pingos luminosos e brilhantes aparecessem no céu e caíssem todos ao redor de Taci, enfeitando-a com estrelas fulgurantes.
Só assim, observando a força da paixão é que as criaturas se esforçaram para ficarem mais próximas uma das outras e tentaram se entender e se abraçar. De toda aquela angústia de não conseguirem é que surgiu a paixão, o desejo forte e incompreendido do abraço que sempre piora à noite, sob a luz da lua.
Desde então enquanto existir no céu uma noite coberta de estrelas e um sol enamorado, cumprindo obstinadamente a sua dança, sempre haverá no mundo, sedento por um abraço, um coração apaixonado a contemplar a lua...


(Conto dedicado ao meu saudoso pai, que me ensinou a crer nas lendas)

By Nika

9 comentários:

Unknown disse...

só digo isso: coisa linda.
:D

Anônimo disse...

é que nesses dias eu tou precisando mesmo é de uma paixão pra me livrar da mediocridade

(nika)

Unknown disse...

oun xuxu!

tou simplesmente amando o blog e adorando te ver tão contadora de estórias!

Unknown disse...

Adorei a historinha. Tres tres bien!

o/

Marias Salinas disse...

"Desde então enquanto existir no céu uma noite coberta de estrelas e um sol enamorado, cumprindo obstinadamente a sua dança, sempre haverá no mundo, sedento por um abraço, um coração apaixonado a contemplar a lua..."

o meu! =]

Polly

Unknown disse...

Você conta... Conta uma da Mantinta-Pereira também?

Anônimo disse...

hoje sou eu quem se engasga na falta de palavras pra verbalizar sobre este post,
brindemos pois!

Pedro disse...

Falar cada um na lista a seguir e bater bem forte no braço entre o cotovelo e o ombro:
MÃE....
PAI....
LURDJÃO...
SILVANA AU AU...

Sangue!!!! hauhauhauhua

Anônimo disse...

Balder: genial, maravilindo.