7.1.09

A Última Vez

Esta é a última vez que lhe escrevo. Creio que não entenderás essas minhas palavras rudes e sonâmbulas, pois nenhum ser que caminhe por esse mundo consegue compreender o que sinto agora, a menos que tenha se deixado nortear ao menos uma vez pelos laços aleives do amor. Você pode me ouvir?

Quando você me deixou eu te esperei por noites, horas, segundos. Eu engoli e vomitei as certezas de que tudo estava perdido. Eu passei noites pasma, em claro, e nas tardes quentes feito um cadáver repleto de moscas. Eu sonhei contigo meu bem e você nem viu. No sonho você chegava como um anjo e beijava sedento a minha boca, depois tomava o meu corpo com toda a sua virilidade de macho e me fodia, até que o universo inteiro se explicasse para nós, e meu coração batia louco, disparado, transbordando até o topo. Mas uma voz familiar e tenebrosa ecoou no espaço,eu não pude de imediato compreender : você era eu , estava morto e teria sumido pra sempre num disco voador. E foi assim e por causa desse prelúdio estranho que te amei como uma lunática, psicótica, demente e infeliz. Eu te amei sozinha, sob os meus joelhos, no escuro do meu quarto e ninguém viu. Te amei certa de que te tomariam de mim e o remédio pro meu medo era a tua saliva. Sob os efeitos lisérgicos dela, eu me tornava exuberante, completa, magna, cantarolava sinfonias nas paisagens outonais dos meus delírios e neles caminhavamos lado a lado de mãos dadas. Sim meu anjo, eu podia ver no fundo dos teus olhos o cheiro do infinito e o brilho furta-cor de todas as estrelas e meu bem! Por mil demônios eu enxerguei a eternidade escorrendo gelada e cristalina bem na palma das minhas mãos. Teu sêmem era meu néctar e almíscara doce era o teu suor, porque tu entorpecias os meus sentidos todos e por alguma razão eu assim o queria...

Um dia uma chuva forte caiu e rapidamente se foi. Era uma chuva sem motivos e a voz veio novamente, misteriosa e fria me anunciar algo, dessa vez era o fim. O fim sem razões e sem porquês, simplesmente o fim. Um acorde tocou, eram as trombetas do céu ou os estribilhos do inferno, ainda hoje não sei... Eu senti o sol clareando meus olhos, a realidade explodiu esmagando o sonho. Alguém chorou e outro alguém ao mesmo tempo sorriu, e o sorriso não era o meu. Eu bebi da última gota do desejo e no fundo da taça eu vi 70 verdades, que por 70 dias me confundiram e escarneceram da minha alma perturbada, solta e delirante num abismo. Numa montanha eu vi você preso, infeliz, débil. Numa gruta eu te vi imundo, endemoniado assassino. Num carro roubado eu te vi ejaculando em cima das minhas lágrimas. Num beco escuro eu te vi em perigo e tinha uma ferida que nunca curava. E em todas as verdades eu queria ser seu arco-iris, sua fada madrinha e seu amor. E foi assim, tentando te entender que quando notei eu já tinha bebido da porção maligna do amor, a garrafa inteirinha e jazia entregue, cega, caminhando errante no escuro, certa de que já não era eu a dona da minha felicidade e do meu ar.

Vem me buscar, porra vem me buscar! Eu te esperei como quem jura promessas ao demônio e logo em seguida se ajoelha arrependida e chorosa aos pés de deus. Esperei a ti feito uma amante frívola que espera a anunciação da morte do seu soldado, certa de ter sido trocada por uma guerra qualquer. Eu te esperei como uma puta triste, um cão que uiva mil e uma noites clamando pela misericórdia do seu dono. Eu te esperei mumificada, frígida, seca, infeliz e embalsamada eternamente pelos condimentos peçonhentos da paixão. Eu fui a bruxa envenenada, agonizando selvagem pelas florestas, pedindo a ti ou a morte, a ti ou a morte! E foi caída no chão do meu quarto que eu enfim enxeguei uma das 70 verdades, a mais pura delas : Estavam os teus olhos tristes e cansados a me fitar, soletrando numa língua estranha que eu custei a entender “ eu não te amo mais”. E logo depois eu vi tuas pernas, essas pernas que eram minhas, entrelaçadas em outras pernas e no teu peito não havia pena ou dor e nem ódio! Quem dera eu ser digna ao menos do teu ódio! Quando enxerguei a última das verdades eu estive no inferno te arrastando pelos seus cabelos de anjo e quebrando garrafas nas fêmeas miseráveis que beijavam essa tua boca que tu juravas que era só minha. Eu te amei obsessivamente, com toda a fragilidade senil da minha alma de mulher, te amei sedenta e com os olhos vermelhos, sangrando e gritando certa de que o amor é triste e cruel. Eu quis te ver morto, humilhado e esquartejado em todos os postes das ruas da minha desilusão.

Eu tive febre, delirei e acordei chorando, meu bem e você nem ouviu. e no meu sonho você era um demo que saltou a minha janela e eu tava te esperando verde, quente, preparando para o meu corpo uma loção de folhas e os aromas pra ti. Eu era puro néctar de flor silvestre, rara e só tu podias tocar. Eu senti tua boca passeando no meu corpo e sua mão tocando o meu ventre, tu estavas úmido, latente, lindo e erguido. E você era meu menino e eu era sua menina. Presa nos arames do teu amor, vítima passiva que deseja ter o coração sangrando e eu queria o seu punhal cravado nele, o seu punhal e o de mais ninguém. E tive.

E hoje, meu amor, é com muita dor que arranco esse punhal que me cega e me atormenta e juro, pela minha alma e pelo meu sangue : acabou!. Agora que sinto que acordo de um delírio, me levanto fraca e consciente, eu escolho a vida, em vez desse amor que me cheira a morte. Acabou. Vá embora, meu bem.Foi a última vez.

Você pode me ouvir?

E no fim da ultima das verdades, você foi embora, fardado de mentiras, idêntico, simplório, como uma multidão de soldados caminhando vendado para uma indústria de corações vazios. E tu tinhas um sorriso safado e triste de quem não consegue saborear das coisas sublimes. E o teu mistério enfim eu consegui desvendar!

Desejo a ti, meu pobre anjo, que ao menos um dia, nem que seja num sonho, tu mergulhes profundamente nas águas límpidas e cristalinas do amor. E que sondes o espaço. Encontre todas as nuvens dentro de ti e sinta o coração bater vivo, louco e sanguíneo. Porque no fim das contas só quem ama é que possui o mundo. Você pode me ouvir?

Sei que não mais... Adeus!

3 comentários:

Jay disse...

Isso foi tão sinestésico que me senti mulher, homem, tive tesão e chorei.

sem palavras pra tamanha sensibilidade.

Marias Salinas disse...

Pude ver o texto se humanizar. Enxerguei claramente seus momentos mergulhados num mar fúnebre e resurgir em seguida a clareza perdida no espaço.

Misha

Lobo da estepe disse...

Em uma tarde de outono, saí para ver as folhas secas que estavam caindo depois da chuva imperturbada que acabara de cair. Uma árvore próxima da morte, esperava todos os dias a visita de um senhor. Fui visita-la nessa tarde e o senhor que ao menos pensava ter vivido tudo, estava descansando em sua sombra. Ele me fez algumas perguntas e estava interessado em saber o que me causava dor. Não havia respostas em mim e muito menos paciência para ouvi-lo chorar seus contos embevecidos. Eu lhe fiz somente uma questão.

Ansiava saber o que significava para ele o destino. Ele respondeu: - Destino é a ponte que se constrói até a pessoa que você, meu jovem, ama.

Nicole... nica, nica. Se esse velho soubesse o quanto eu pelejei para tentar construir essa maldita ponte.




Eu possui o destino de conhcê-la. Ela obtinha um dom de descrever e seu sofrimento. Por tantas vezes eu permaneci agarrado na sua angústia de viver solitariamente. Ansiava possuir a sua dor também. Queria fazer parte de tudo que sentias, das lágrimas que deixava escorrer enquanto conversávamos...

E o que mais me intrigava era a certeza da mentira. A verdade carece da mentira para existir, da mesma maneira que a mentira carece da verdade para esclarecer. Durante as suas fabulosas histórias, eu afligia meus pensamentos.

Sentir o amor era questão de tempo, mesmo que tempo seja apenas números vagos... Passei a fazer parte de suas histórias, passei a narrar as minhas histórias, passei a compor o nosso universo alienado.

Nicole, eu sentia medo de amar você, e como o sentia... A vida apartou o tempo em dois, o antes da nicole e o durante a nicole. E como eu amei... Fazia parte de uma vida que nenhuma pessoa imaginava haver.

Era somente eu e Nicole, era somente eu e ela...

Pois o nosso universo foi consumido por um buraco negro infinito. Deu vida a um novo universo que surgiu no outro lado do buraco negro, o mágico buraco branco. Esse universo não era como eu pressentia. Era repleto de armadilhas e aos poucos elas foram desmanchando o que haviámos construido.

E a ponte? A ponte que se constrói...

Hoje acredito que o destino pode ser essa ponte que se constrói até a pessoa amada, mas tenho a concepção que é impossível construi-la sozinho, sem ter a certeza que a pessoa em questão, estará do outro lado.