28.11.08

Memórias parte II


O ministério das marias salinas suplica: Por favor, leiam esse post ao som dessa canção de piaf.



Hoje eu sou pura saudade... Pura saudade da mochila verde rasgada que me foi emprestada para que eu fosse feliz por uns dias em Paris. E tudo foi assim, como se tivesse mesmo que acontecer. Num dia em que acordei louca, li um pedaço da bíblia dos vagabundos e senti o coração batendo sôfrego, aos delírios kerouakianos. Foi assim, como uma ferida que implorasse pela cura, Eu decidi que iria pra Paris no outro dia e que se fodessem todos os poréns. Que se fodesse se eu era brasileira, sem grana e falasse pouco francês. Que se fodesse se eu era mulherzinha, meio desloucada, pele morena, morena pele. O que me consternava era a angústia, como essa que sinto hoje, aquela angústia que dá quando a última gota de tudo se esvai e você sente que está morrendo... Essa mesma angústia que sinto nessa tarde escrota em que não me resta nada a não ser lembrar e esquecer a textura lilás e deslumbrante do passado e ter nas mãos uma luz acesa borrifando nuvens brancas para todos os lados. Eu decidi que iria, simples assim, e que iria sozinha e eu já pressentia tudo, todos os tambores do cabaré gritando na minha alma. Perfumes e sorrisos me convidavam de algum cosmo mágico que eu já podia, sentada em cima daquela cama em cricklewood, enxergar. Os mascarados passavam, me chamando pro baile e dessa vez eu queria ter a coroa da rainha, rainha e dona do meu mundo. E naquela madrugada de uma data eterna eu realmente era.
Je ne parle pas Français. Je m’apelle Susana. Nada interessava! Perdi a conta de quantas vezes menti o nome, a idade e os interesses na estação de trem. Perdi a conta de quantos cigarros eu fumei, de vontade de ver o sol, engolir todas as nuvens dentro de uma taça.
Eu caminhava sola, com a mochila verde me amparando e me afagando. dela caíram manuais de sobrevivência, batons e pan cakes, calcinhas. Nela caíram lágrimas, lágrimas de alegria e do puro gozo da sensação de estar andando sola, solita pelas ruas de Paris. Contemplando luzes, bêbados, putas, cemitérios e sentindo o coração quente e molhado com gotas do puro néctar de ser o que é, ser sola e feliz.
Hoje todas essas lembranças me confortam e me doem. Ah agora que sou uma velha, uma tiazona sem tesão, me faltam os sobrinhos para que eu conte as minhas histórias... Me faltam os amores que nunca mais tive, me falta a estrada e os gritos que vêm dela, me chamando pra sumir, pra partir algum coração e beber de algum amor, ou pra brincar de ser feliz... Sola, pero feliz!

(Agradecimentos a minha grande companheira de casa Geraldine, pela mochila verde)


By Nika, a louca.

9 comentários:

ACarolina disse...

E eu que sinto falta do que nunca aconteceu?

Anônimo disse...

Non creo,
passei aqui para retribuir a doce visita e me deparo com esse Tecido fino de emoções!
Adorei a casa de vcs, um primor!
No mais, vamos acontecendo no café soçaite, dizendo "a chanté",
muito merci all right,
trocando a luz do dia pela luz da light!
;)
bjos nas respectivas pleuras!

Anônimo disse...

ah, e pra arrematar um conversa paralela que tivemos, segue tosca a dica:
http://cortepracostura.wordpress.com/2008/09/16/tenho-uma-coisa-pra-contar-pras-senhoras/
:)
hasta la vista!

Michelle disse...

Que ótimo ver Kerouac por aqui.
Um dia eu vou fazer isso, eu vou parar de me preocupar, de pensar. Se eu fosse mais como Caeiro: "Há metafísica bastante em não pensar em nada". Fazer, agir e não para nunca. Ser uma das pessoas que queimam, como Kerouac, Corso, Burroughs, Ginsberg...

Menina, minha vida tá tomada pelo caos beat e um post desses só ajuda a "acabar" com tudo! hahaha

Beijos

Marias Salinas disse...

tbm sinto saudade de coisas que nunca aconteceram.
sinto saudade, sobretudo, das coisas que eu quero que aconteçam.

Polly

Anônimo disse...

ah meninas, bebâdas do meu beco e observadoras algozes. Eu nesses dias, como a polly me definiu hoje pela manhã, sou pura nostalgia e desassossego.

Me come, kerouac!

;*

Anônimo disse...

Pequenos mas intensos detalhes são responsáveis pela importância que tem nossa memória!

Bom viver assim!

By POPS

Anônimo disse...

Puta merda Nika, esse post formou cachoeira de nostalgias. Inundou a minha sala.

Empresta a sua mochila verde?

Misha

Pedro disse...

Moça, faltou vc ontem lá em casa pra defender London, aquele amigo nosso que voltou da deitano falação...